sábado, 1 de março de 2008

PASSEANDO PELA INGLATERRA

Viajar é bom demais, eu realmente adoro pegar um carro e sair andando sem pressa, sem compromisso e sem rumo muito certo por estradinhas pequenas, cruzando campos, cidadezinhas, vilarejos, fazendas e plantações, conhecendo uma coisa aqui, outra ali e, como não poderia de deixar de ser, tentando experimentar tudo o que aparecer de apetitoso e de interessante pelo caminho.Quem me conhece mais de perto sabe que o meu coração realmente balança muito forte pela França, já estive lá muitas vezes, cruzei o país de carro por tudo o quanto é estradinha, explorando cada cantinho, e não me canso nunca, posso voltar sempre e será sempre o máximo. Mas o outro lado da Mancha também me fascina, sempre adorei histórias envolvendo normandos, saxões, vikings e celtas, bosques com duendes e fadas, Robin Hood, cavaleiros do King Arthur, campos verdíssimos, castelos de pedra, vilarejos bucólicos, o mundo em volta dos livros em Oxford e em Cambridge e, como não poderia deixar de ser, Londres, uma cidade linda, cheia de lugares interessantes, museus maravilhosos e muito charme. Com o meu marido, e a Bebel, a minha filha mais velha e que hoje tem 14, já tinha ido a Londres algumas vezes, mas eu queria conhecer muito mais. Como eu estava muito cansada no final de 2004, decidi passar uns 20 e poucos dias com o Carlos, a Bebel e Ana, que tem 9, na Inglaterra, passando por lá o Natal e o Reveillon. Foram 10 dias em Londres e uns 13 pelo interior (Stonehenge, Averbury, Salisbury, Winchester, Canterbury, Rye, Leeds Castle, Oxford, vilarejos de Costwolds, todos com casinha de pedra, uma mais linda que a outra onde eu com certeza toparia morar, Stratford-upon-Avon, York, Durham, Hexxam para visitar as muralhas de Adriano e por fim um pulinho na Escócia, com 3 dias em Edimburgo).Pensando nas complicações dos feriados do final do ano, que eram muitos, com vários restaurantes fechados por 10 ou 15 dias, resolvemos ficar num flat em Londres, na Holborn, perto do Covent Garden e do British Museum, o que foi ótimo. Se estivesse complicado comer fora, ou simplesmente se desse vontade de comer alguma coisa gostosa comprada durante o dia, era só complementar as compras no Sainsbury, um supermercado que ficava bem na esquina e tinha uma variedade imensa de pratos prontos e semi-prontos. Foi muito divertido, prático e as meninas amaram.Falam mal demais da comida inglesa e da falta de interesse dos ingleses por coisas realmente boas. Ë verdade que muita gente não está muito aí para comida, compra muita coisa pronta no dia-a-dia e nem sempre são coisas muito interessantes. Mas daí a radicalizar e dizer que nada é bom, é crueldade e injustiça das grandes. Posso, com certeza, dizer que comi muita coisa muito boa, é só procurar e experimentar, fugindo do óbvio. Até mesmo muitos dos pratos prontos de alguns supermercados são bem gostosos, com sopas saborosas, pratos indianos grelhados e assados que são bem melhores que sopa de pacotinho ou macarrão instantâneo. É claro que o fish and chips hiper engordurado e feito com um peixinho congelado num lugarzinho feioso não tem nada a ver com uma porção deliciosa de um fish and chips de bacalhau fresco e batatas fritas bem tenras por dentro e crocantes por fora que comi numa taverna super aconchegante em Rye, esse sim como manda o figurino e do jeito que se faz desde o século XIX. Comi cornish pies, uns pastelões assados recheados de carne, ervilhas e gravy (o molhinho da carne básico dos ingleses), frango, queijo, cebolas e batatas, que lembram empanadas e são bem gostosos. Já na Escócia, no Blue Elephant, o café/restaurante de Edimburgo onde a J.K.Rowling escreveu o primeiro Harry Potter, comi primeiro uma torta de legumes e depois um toffe ginger pudding inesquecíveis. Andando pelo interior, comi queijos e mais queijos maravilhosos e muitos pratos bem rústicos e substanciosos que são perfeitos para um jantar perto de uma janela com neve fininha caindo e muito vento lá fora. Eram muitos ensopados, sopas, tortas e mais tortas doces e salgadas, rosbifes, cordeiros, assados com pratos de legumes e yorkshire puddings ao lado, molhos e condimentos, cereais, salmões escoceses magníficos, haddocks maravilhosos, cerveja, gengibre, pudins, triffles e cremes de sobremesa, cafés-da-manhã tentadores, com cestas de pães muito gostosos, geléias mil, mingau, iogurtes cremosos, lingüiças caseiras divinas, bolos, clotted cream (um creme de leite bem espesso), biscoitinhos, pãezinhos e sanduichinhos de pepino e de rabanete que enchem os olhos na mesa do chá (na verdade, a única coisa que eu realmente não consegui aprender a gostar é de chá, por enquanto eu continuo preferindo chocolate quente e café, quem sabe da próxima vez).Achei muito divertido ficar procurando entender as placas e nomes muito divertidos dos pubs, entrar, procurar uma mesa, depois ir ao balcão para escolher os pratos, bebidas e pagar, depois voltar à mesa com uma colher de pau numerada na mão, que servirá para mostrar ao garçom que mesa pediu que prato, esperar um pouco, comer, voltar ao caixa para pedir mais bebidas e a sobremesa.Para quem adora livros de receita ou que falem de comida, a Inglaterra é um prato cheio. As livrarias são ótimas, os livros sempre foram excelentes (e não é de hoje): divirta-se, só por exemplo, pois a lista completa seria imensa, com Elizabeth David, Mrs. Beeton, Florence White, Delia Smith, Anne Willan, Sally Clark, Rose Gray, Marco White, Nigella Lawson e Jamie Oliver.Vamos então às receitas: como os pães, os queijos e os condimentos interessantes sempre me fascinaram, escolhi algumas opções com esse perfil. Para começar, dois pães gostosos, lindos, muito fáceis e rapidíssimos de fazer, pois partem de bicarbonato de sódio, e não de fermento biológico: os cheese scones, com pedacinhos de cheddar e de salsinha no meio da massa, e o super rústico easy soda bread. A stilton and nuts paste, que leva queijo stilton, (um queijo nobre, de veios azulados, forte e salgadinho, mas mais cremoso que um roquefort ou um gorgonzola, e que é famoso desde o século XVIII) manteiga, nozes e vinho do Porto, fica deliciosa, salgadinha, cremosa e vai muito bem com pão e maçãs, que entram para refrescar o paladar. Para servir com os pães, uma bolachinha crocante, uma carne assada, um queijo ou uma porção de batatas fritas, sugeri um mix de condimentos, que os ingleses adoram e têm excelentes receitas: o ketchup de tomate, que realmente surpreende pelo gosto e pela cor “de verdade” dos tomates mesclados ao azedinho adocicado das maçãs, e não tem nada a ver com as versões trashs que a gente encontra no dia-a-dia, é baseado numa receita de 1857; o ketchup de cogumelos, que é super interessante, consistente e muito saboroso, mesmo não tendo a cor mas linda do mundo; a mostarda ao mel, que é divina e, apesar de precisar ser feita com uns 15 dias de antecedência para mesclar e suavizar os sabores, assim como para perder o gostinho de poeira lá no fundo, não exige mais do que 5 minutos de preparação; e a onion marmelade, que é uma compotinha adocicada de cebolas que é muito gostosa mesmo.Para as noites mais frias, que pedem pratos fumegantes de sopa, pensei em duas receitas: a onion, beer, barley and cheddar soup, uma sopa apetitosa de cebola e grãos de cevadinha cozidos na cerveja e ligados com cheddar no final e a substanciosa sopa de carne, feita com ossobuco e legumes cozidos em fogo baixinho até a carne se soltar dos ossos, se desmanchar e surgir um caldo muito perfumado e saboroso.Se a idéia for almoçar ou jantar bem no estilo pub, com um copo de cerveja ao lado, são 4 opções, todas servidas com uma tigela de ervilhas passadas na manteiga ao lado. Pode ser uma porção dos deliciosos scotish salmon cakes, uns bolinhos chatos preparados com salmão e batata; ou um super clássico e popular (aliás desde o século XIX) fish and chips, um filezinho de peixe empanado numa massinha leve e crocante de cerveja, para servir com batatas fritas (sugeri usar bacalhau fresco, que é ótimo, mas use o peixe que quiser); ou a “torta do dia”, bem no estilo inglês: um recheio de legumes, de peixe e frutos do mar, de aves, de carne de cordeiro ou bovina, simplesmente como um ensopado ou com um molho mais cremoso, colocado diretamente no refratário, coberto com uma camada de massa folhada ou de purê de batatas e assada até dourar. Sugeri 2 tortas, a cremosa de haddock, o peixe cozido, refogado com legumes e envolto num molho cremoso, com massa folhada, que ficou bem parecida com a que eu comi num pub super charmoso que beirava um riachinho perto de Oxford, chamado The Trout Inn, onde o Lewis Carrol levava Alice para contar histórias; e a shefferd’s potato pie, um ensopado de cordeiro e damasco coberto com purê de batata (e que passa a chamar cottage pie quando a carne é bovina).Como não dá para passar sem um docinho, escolhi 4 receitas para a hora da sobremesa e 2 para a do chá da tarde. Para sobremesa, vêm o toffee ginger pudding, que é maravilhoso, tudo de bom para quem gosta de gengibre, de bolinhos úmidos servidos quentes e de caldas bem doces e cremosas; os potinhos de raspberries oat betty, uma mistura azedinha e adocicada de framboesas com uma farofinha crocante e dourada de aveia por cima; o old tea cream flan, um creme muito delicado de chá verde, que realmente surpreende, pois, apesar do ar contemporâneo, é uma receita que aparece em livros muito antigos; e a Porto wine jelly, que tem tudo a ver com os ingleses, que adoram vinho do Porto, gelatinas e se esmeram nas formas com desenhos lindos para moldar (aliás, como mãe, confesso aqui a minha eterna gratidão aos ingleses por eles gostarem tanto de gelatinas, inclusive das coloridas de criança, com sabores nada naturais de tudo o quanto é fruta, pois nos tempos em que a gente morava na França, lá só se achava gelatina sem sabor, e como a Bebel, que tinha 4 anos, morria de saudades das gelatinas brasileiras de morango, de uva e de framboesa, a solução era dar uma escapadinha até Londres de vez em quando num final de semana, passar num supermercado e voltar com a mala lotada de caixinhas de gelatina). Para a hora do chá, pensei numa fatia do cherries and raisins english cake, um típico bolo inglês, com aquela massa bem saborosa, enriquecida com manteiga, creme de leite, raspinhas de limão, passas e cerejas, e no lemon curd, uma pasta docinha e azedinha de limão, bem amarelinha e ligeiramente translúcida, excelente para servir com pão fresco, torradas, crackers, rechear tortas, biscoitos e bolos (eles costumam usar limão siciliano, mas a receita também fica perfeita com tahiti, galego e até com limão cravo).

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