quinta-feira, 1 de novembro de 2007

NA PATAGONIA ARGENTINA

Finistére é uma palavra francesa que diz tudo, é o fim da terra, onde teoricamente tudo termina. Para quem, como eu, sempre teve fascínio por livros e histórias de viajantes intrépidos e tem um espírito aventureiro, essa sensação de estar no fim de mundo é instigante. Eu já havia sentido isso quando passei pelo estreito de Magalhães, lá na pontinha da Patagônia chilena, e andei por aqueles campos vazios, desertos, lugares perfeitos para pensar na vida, na imensidão do mundo e como a gente é só uma coisinha miúda no meio de tanta natureza.Dessa vez, para comemorar os 15 anos da Bebel, minha filha mais velha, a família toda foi para a Patagônia Argentina, em pleno verão, com o céu sempre muito azul, um friozinho gostoso pela manhã e à noite, e uma temperatura bem agradável, beirando os 20ºC, na hora do almoço. A viagem foi bárbara, com direito a glaciares e montanhas com vistas deslumbrantes, flores silvestres, lagos muito azuis, caminhadas inesquecíveis, hotéis deliciosos, comida gostosa e bons vinhos.De São Paulo formos a Buenos Aires, onde pegamos um vôo direto para El Calafate, uma cidadezinha só com uma rua central com umas lojas de artesanato, uns restaurantes e hotéis, mas que é o ponto de partida para os passeios pelos parques nacionais dos glaciares. De carro, cruzamos uns 90 km de campos patagônicos e, no final da tarde, chegarmos ao Parque Nacional Perito Moreno. Logo de cara, avistamos o glaciar, um paredão imenso de gelo ao fundo de um lago lindo, onde fica o hotel Los Notros (o nome vem de uma árvore da região), que é uma graça, bem aconchegante e com uma vista fenomenal. Passamos 3 dias deliciosos por lá, com muitos passeios e bastante tempo livre simplesmente para bater papo e sentar numa das espreguiçadeiras do hotel, com um xale bem quentinho de lã de llama nas costas, olhando o glaciar que fica bem em frente e tomando um chá, um café ou um chocolate (ou um submarino como eles dizem, na verdade uma barrinha de chocolate no formato de um submarino que vai num copo bem alto e estreito de leite fervente para derreter aos pouquinhos). Apesar de não ser o maior deles, o Perito Moreno fica numa posição privilegiada, com acesso bem fácil, dá até para fazer uma caminhada sobre a geleira (até eu, que sou meio boboca para essas coisas, consegui, os grampões que os guias colocam nas nossas botas dão firmeza, e a sensação e o visual são incríveis). Os cafés-da-manhã, almoços e jantares no Los Notros eram tão variados, saborosos e caprichados que eu acabei escolhendo vários pratos que comi por lá para pegar idéias, dar umas adaptadinhas e dar aqui as receitas (como nós éramos onze, eu tinha mais 10 pratos para bicar e podia experimentar de tudo, e também sempre acontece de alguém vir dizendo, Helô, come um pouquinho disso aqui e veja o que é, não é bom? será que depois você tenta fazer de novo isso para mim?). Nessa etapa da viagem, comemos bastante cordeiro, às vezes como puchero – um cozido bem gostoso que também levava batata, abóbora e vinha dentro da própria abóbora -, um prato com 3 ou 4 preparações diferentes, com toques mais modernos, e muitas outras coisas boas, eram os risottos de centolla, as saladas bem tenras com queijos da região, os ensopadinhos de cogumelos do bosque e, principalmente, o ravióli de cogumelos, que era tão bom que eu pedi 2 vezes.De lá, cruzamos o lago Argentino de barco, passamos ao lado de muitos icebergs azuisíssimos, avistamos o imenso glaciar Upsala e chegamos à Estância Cristina, um lugar encantador. É um hotel bem pequeno, só com uns 10 apartamentos, instalado numa antiga fazenda de ovelhas que, por quase 100 anos, foi explorada por uma família inglesa. Ela fica no meio de um campo de se perder de vista, por onde correm muitas lebres e raposas e com um visual estonteante de montanhas imensas ao fundo. As caminhadas e os passeios a cavalo são imperdíveis, acompanhados de gaúchos com bombachas, boinas e que não largam as cuias de mate, uma mais linda que a outra, algumas na cor natural da cabaça, outras tingidas de vermelho, de verde, de amarelo ou de marrom, umas lisas e outras desenhadas, algumas forradas de couro ou com aplicações e colheres de prata chiquérrimas. A acolhida na Estância é demais, são aquelas pequenas atenções que fazem todo mundo se sentir bem e já sair de lá com vontade de voltar. O jantar da noite da chegada foi uma delícia, começando com uma provoletazinha bem caprichada, com azeitonas e cogumelos do bosque, depois uns cogumelos recheados maravilhosos e um salmão dali mesmo, do rio Catarina que cruza a Estância, acompanhado de um purê de cenouras e batatas e um de favas verdes e muitas outras coisas gostosas. E o café-da-manhã então? Ele é servido numa outra casa, cheia de louças e objetos antigos de cozinha espalhados por tudo o quanto é canto, com uma mesa de guloseimas que era pura tentação, tudo feito lá mesmo, um pãozinho mais gostoso que o outro, bolos macios e saborosos, biscoitinhos bem crocantes e perfumados, geléias e mais geléias com as frutas da região e muitos queijos. Na hora do almoço, chega à mesa uma grelha de ferro com vários pedaços de um asado de cordero patagônico, que passou a manhã assando bem devagar num espeto ao redor do fogo, com uma tigela de legumes também assados, um purê de batata e um de batata-doce, tudo excelente. De sobremesa, como não podia deixar de ser, uma taça de um doce de leite muito leve, quase mousse. Voltamos para El Calafate e, para comer bem rapidinho na hora do almoço, paramos no La Lechuza, um lugar bem rústico, descontraído e que oferecia uma tábua apetitosa com empanadas de carne, de frango, de milho, de roquefort e alho-poró, verduras, queijo e presunto, com uma massa mais macia, pouco mais grossa que a do nosso pastel (estas eram assadas, mas também comemos fritas, de massa mais crocante ou folhada).No outro dia, seguimos para o super tradicional hotel Llao Llao em Bariloche, que fica em frente ao lago Nahuel Huapi e com uma vista de tirar o chapéu para o Cerro Tronador. Nesses 5 dias de Bariloche, fizemos passeios de barco pelos lagos, caminhadas por bosques pitorescos (o de Arrayanes é um sonho, com as árvores de tronco meio rajado e cor de canela) e tudo na maior tranqüilidade, já que verão é baixa temporada. Eu adoro a sensação de se encantar tanto com um jantar chiquérrimo, com tudo lindo, receitas e ingredientes mais requintados e, às vezes até no mesmo dia, também se encantar com alguma coisa super simples, como aconteceu com o choripan que a gente comeu durante um passeio de barco: um sanduíche de pão com lingüiça grelhada e uma salsa de tomate, cebola e salsinha, bem parecido com um que eu comi no Chile, com um pão de casquinha ligeiramente crocante, um miolo macio o bastante para absorver o molho e o caldinho da lingüiça, bem caseira e apimentadinha na medida certa.Num dos dias, visitamos bem rapidinho, já que não tínhamos muito tempo, a Villa la Angostura, uma cidadezinha bem simpática, com restaurantes que servem trutas divinas, algumas prateadas, outras marrons ou arco-íris, de carne muito branca ou rosada, mas sempre delicadíssimas. Elas chegaram dos Estados Unidos, do Canadá e da Europa no início do século XX, se espalharam pelos lagos de águas muito frias que banham tudo por ali e, nos cardápios, aparecem de muitas formas, além da hiper clássica manteiguinha com amêndoas.Bem pertinho do Llao Llao, jantamos em dois restaurantes que valem a visita: o asador A 4 Leguas, que serve carnes realmente especiais numa casa toda de madeira e bem aconchegante, e o Il Gabbiano, com uma comida italiana nota 10 num lugar bem acolhedor (de tudo que eu belisquei dos pratos da nossa mesa, acho que a mussarela de búfala da salada, que era deliciosa e se desmanchava na boca, o Rigatoni com ragú de cordeiro, que era saborosíssimo, e o ravióli com cogumelos secos e manteiga de sálvia, que era mesmo especial, estão entre os melhores que já comi na vida). Também do ladinho do hotel, quem gosta de defumados pode visitar, e se deliciar, com os filés de trutas e de salmão, com os jamóns e os salames de cervo, de javali e de porco do Ahumadero Weiss, tudo preparado com o maior capricho e de um jeito bem artesanal.Como se já não bastasse tamanha comilança, o friozinho do final da tarde insistia em uma coisinha para aquecer, e a solução era ceder aos encantos da mesa de té montañes, com café, chá, medialunas (os croissants pincelados com uma caldinha de açúcar que os argentinos tanto amam), geléias – ou marmeladas - de laranja, cerejas, morangos, pêssegos e calafate (uma frutinha miúda bem redondinha e arroxeada, que tinge toda a boca, mas dá uma geléia gostosa e azedinha), mel de flores silvestres, sanduichinhos de pan de miga - aquele pão de forma branco ou escuro fatiado fininho e que é ótimo para rechear -, fatias de tortas de pêra, maçã, pêssego, frutas vermelhas e, para terminar, um alfajor caseiro daqueles que não se esquece jamais. Acho que é impossível pensar em Argentina e não se lembrar dos alfajores, que são mesmo um caso a parte, divinos para quem ama chocolate e aquele dulce de leche cremoso, lisinho, brilhante e marrom escuro (conversando e pesquisando, vi que a grande diferença entre o doce deles e o nosso é que eles costumam começar caramelizando uma parte do açúcar na panela, nele dissolvem o leite e o restante do açúcar, a baunilha e daí cozinham até chegar a um ponto bem pastoso, por isso o sabor e a cor mais intensos de caramelo). E, para completar, à noitinha, como um aperitivo ou uma refeição mais leve e descontraída, eles ainda ofereciam um monte de coisinhas gostosas sobre umas tábuas maravilhosas de madeira, algumas delas com entalhes lindos, e acompanhadas de umas facas – os cuchillos – com cabos bem trabalhados de prata, de chifre ou de ossos, um arraso de lindos. Nas tábuas, além do pão, vinham fatias de defumados; azeitonas suculentas; queijos patagônicos ultra cremosos e saborosos, além do roquefort , que eu adoro, cremoso e forte o quanto deve ser; cachos de uva muito doces; empanaditas com recheios variados e, algumas vezes, las humitas, umas pamonhazinhas salgadas bem suaves, feitas com milho verde bem fresco, tomates, pimentões, cebolas, azeite, pimenta, pedacinhos de queijo fresco, lascas de frango e azeitonas.Depois de conversar bastante, experimentar muita coisa, ler bastante, testar e ajustar, eu cheguei às receitas que vão aqui, e que ficaram bem próximas das que comi por lá. Como aperitivo ou entradinha, vêm a Provoleta con salame, hongos y alfabaca, um pouco de provolone derretido numas tigelinhas com salame, cogumelos e manjericão (o fundamental é usar um provolone gostoso e, para não ficar enjoativo, servir porções não muito grandes) e a Maçã verde recheada com truta defumada, muito fácil de preparar e que também pode ser feita com salmão e maçã vermelha azedinha. Aí chega o Trio de empanadas: carne, milho, roquefort e alho-poró, aquele salgadinho super argentino, que sempre cai bem a qualquer hora. O Risotto de centollas de Ushuaia e maçãs do rio Negro ficou muito saboroso, com o cremoso do arroz, os pedaços carnudos do caranguejo gigante e o azedinho adocicado e levemente crocante das maçãs. Como eu me encantei com os dois raviólis de cogumelos que na viagem, decidi brincar com as duas receitas e dar as duas de uma vez, pois são totalmente diferentes: os Raviólis de cogumelos frescos e molhinho de salsinha e tomilho do Los Notros são bem contemporâneos, preparados com massa oriental de guioza, que fica com um ligeiro crocante depois de ir ao forno para gratinar, e vêm com um molho bem verdinho com pinoli; e os Raviólis de cogumelos do bosque e manteiga de sálvia do Il Gabbiano, que são mais tradicionais, mas não menos gostosos, com a massa fresca aromatizada pelos cogumelos e um recheio muito bom. O guiso, ou Puchero de cordero, é um ensopado hiper clássico, perfeito para os tempos de frio, daqueles que ficam bastante tempo no fogo e terminam com um caldo encorpado e muito perfumado. A receita do Salmão ao forno com purês de favas, batata e cenoura é simples, mas sempre agrada, além de ter um colorido bonito. A cazuela de humita, que ficou deliciosa, é uma versão mais moderna e prática das pamonhazinhas salgadas embrulhadas na palha do milho verde, pois tudo é assado num refratário grande, ou em vários individuais, e vai bem como entrada, ao lado de folhas verdes, ou acompanhando uma carne. Não dava para deixar de lado o Molhinho chimichurri, o grande companheiro das carnes grelhados, que fica pronto nuns minutinhos (se der, tente preparar na véspera, pois ele fica ainda mais saboroso). Para adoçar, escolhi uma Torta rústica de pêra, servida no próprio refratário, sem desenformar, mas que tem uma massa bem gostosa e crocante, principalmente pela farofinha que vai por cima de tudo, e um recheio que é quase fruta pura (ela também fica ótima com maçã, pêssego, ameixa, banana e abacaxi) e, como não poderia deixar de ser, o Dulce de leche argentino, que ficou divino, e vai bem com pães e torradas, com uma bola de sorvete, como recheio das Panqueques, que sempre fazem sucesso, e dos irresistíveis Alfajores, receitas que ficaram realmente especiais. As Medialunas - na verdade os croissants franceses pincelados com uma caldinha de açúcar, que deixa os pãezinhos mais doces e brilhantes – são um pouquinho trabalhosas, mas o resultado compensa. Para a hora do chá, ou para uma festa, vale a pena servir os sanduichinhos em pão de forma fininho, branco ou escuro, recheados com pastas variadas, e que aqui aparecem como Enroladinhos especiais de pão preto e queijos, que são lindinhos e muito bons, e os Sanduichinhos de salmão defumado com chips de beterraba, que mesclam o salgadinho do peixe, o cremoso do queijo, o azedinho do pepino e o crocantezinho leve, adocicado da beterraba, que ainda dá cor ao prato.

Um comentário:

Unknown disse...

A Patagônia argentina é um destino turístico imperdível!
Também, a cidade de Buenos Aires.
Como o cambio favorece, encontrei um aluguel Buenos Aires econômico e espetacular! Recomendável para todos os que viajam a esta charmosa cidade!