sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

ERVAS & CHEIROS

Se existe uma coisa que não pode faltar na minha casa é um maço de salsinha. Como o meu quintal é bem grande, nele plantei ervas variadas e um loureiro, e, assim, sempre posso colher um pouco de cada coisa. Na fazenda, eu fiz um canteiro de ervas interessante, parecido com o que vi num mosteiro no interior da França: ele é redondo, dividido em triângulos - como uma pizza - por muretas de pedra por onde se caminha para colher e manusear tudo, mas sem pisotear nada. A coisa se complica nas temporadas da casa da praia, já que a gente acaba não indo tanto para lá: como os vasinhos com ervas não são grandes e nem sempre ficam bonitos, costumo levar alguns maços das ervas preferidas, lavar e secar tudo, embrulhar em folhas papel absorvente e guardar em potes bem fechados na gaveta de verduras da geladeira. Mas em pouco mais de uma semana tudo vai terminando, as folhas mais sensíveis envelhecem e a quitanda de Maresias e a kombi do verdureiro só trazem salsinha, cebolinha, coentro e, às vezes, um macinho de manjericão. Tenho uns amigos que sabem tão bem que eu acho tristíssimo cozinhar sem ervas que, quando vêm de São Paulo para passar uns dias por lá, trazem bouquets lindíssimos para mim (não resisto a uma flor, mas acho um charme receber um maço de ervas com um laço de fita). As ervas e os cheiros dão vida a qualquer prato com ovos, queijos, verduras, legumes, carnes, peixes, massas, grãos e frutas. É incrível, parece até mágica, mas um pouquinho de salsinha, de manjericão ou de coentro muda completamente um molhinho de tomate ou um picadinho de carne, algumas folhinhas de hortelã deixam qualquer salada mais fresquinha e uma folha de louro faz com que o arroz branco de todo dia fique muito mais gostoso (aprendi a fazer isso com a minha mãe e acho mesmo que, com o louro, o arroz fica muito melhor). O fato é que as ervas conseguem atiçar os sentidos de uma tal forma que, com elas, tudo fica mais perfumado e saboroso. Mas é importante lembrar que é preciso manter o equilíbrio do prato: não se deve exagerar nos temperos para que eles não mascarem os sabores e aromas dos outros ingredientes. Também é preciso prestar atenção nas ervas que entram numa mesma refeição, tanto para manter a harmonia, como para agradar os convidados com mais facilidade. Se você pretende servir um peixe com legumes, tudo bem em usar uma erva mais marcante numa receita e uma mais leve na outra (por exemplo, coentro ou endro numa delas e salsinha na outra). Mas o resultado não fica tão interessante quando várias receitas de uma mesma refeição levam ervas muito fortes e que se chocam, ou quando se repete uma mesma erva, ou uma mesma combinação de ervas (por exemplo, manjericão em 3 receitas fica monótono, por mais que os outros ingredientes sejam diferentes, o resultado fica parecido).Para aproveitar melhor o aroma, o sabor e o frescor das ervas e dos cheiros, há que se compreender que tudo depende do momento e da forma como eles entram na receita. Num ensopado, eles podem ter duas funções diferentes e que se completam no final: uma parte entra no início, fica na panela durante todo o cozimento, perfuma e dá sabor a tudo, e o restante vai bem no finalzinho, para dar o toque de frescor ao prato. Como as folhas que participam do cozimento murcham e ficam com um verde escuro e feioso no final, não é interessante que continuem no prato na hora de servir, por isso, para facilitar a sua retirada, a solução é utilizar ramos grandes, de preferência amarrados para facilitar a tarefa (daí o famoso bouquet garni, um amarrado de ervas que tradicionalmente leva alguns ramos de tomilho, folhas e talinhos de salsinha e de salsão e 1 folha de louro, tudo apertadinho como um charuto, envolvido num pedaço de folha de alho-poró e amarrado com um barbante). Já na hora da finalização, como elas entram no momento de desligar o fogo e vão mesmo para o prato, vêm em folhinhas inteiras, rasgadas ou picadas bem miudinho. E, para arrematar, as folhinhas mais lindas do maço entram na decoração dos pratos (é importante manter a coerência e usar na decoração as ervas que entraram na receita). Ainda para decorar, mas também para saborear: lave e seque bem, mas muito bem mesmo, os raminhos das ervas, depois frite por alguns segundos no óleo quente, escorra sobre papel absorvente e sirva (eles ficam verdes e crocantes).
Ervas e cheiros secos e desidratados: use só quando não for mesmo possível ter os produtos frescos, que são muito superiores. Na verdade, o louro e o orégano são as duas melhores opções desidratadas, mas não exagere nas quantidades na hora de comprar, pois eles perdem sabor e perfume com o passar do tempo. Uma colher de sopa de ervas frescas costuma equivaler a 1 colher de chá de seca.Outra coisa: quem gosta tanto de um chazinho quente, numa caneca aconchegante ou numa xícara mais refinada, como de um belo copo com chá bem gelado para matar a sede nos dias de calor de matar, não pode deixar de lado as infusões e tisanas de hortelã, erva-cidreira, camomila e do que mais quiser. Vai aqui uma relação das ervas e dos cheiros mais usados, que são fáceis de encontrar e costumam aparecer na maior parte das receitas dos livros e receitas:Alecrim: eu adoro, mas há que se usar com parcimônia, pois tem sabor e perfume bem pronunciados. As folhinhas de um ou dois ramos costumam bastar para uma receita inteira. Vai muito bem com pães, massas, legumes e carnes. Capim-limão ou erva-cidreira: um capim de folhas compridas e finas, com um talinho grosso na base, que dá numa touceira. É bem perfumado e saboroso. No Brasil, as folhas costumam virar chás e refrescos e o talinho da base entra em muitas receitas tailandesas e vietnamitas. Cebolinha: um bulbo que faz parte da “família” dos cheiros e entra em muitas receitas brasileiras e orientais. Os fios verdes são mais suaves que as bases brancas. Cebolinha francesa: tanto em sabor, como em visual, é mais delicada que a cebolinha comum, os fios são bem fininhos.Cebolinha japonesa - nirá: tem folhas longas e achatadas, com um sabor forte, que lembra o do alho. Cerefólio: sabor suave e folhas bem leves, delicadas e muito lindas, que no formato lembram uma salsinha mais fina e rendada. Por aqui, ainda não é muito fácil encontrar.Coentro: visualmente até lembra a salsinha, embora as folhas sejam um pouco mais finas e arrendondas, mas o sabor e o aroma são bem diferentes. Apesar de muita gente dizer que não gosta, o coentro é, ao lado da salsinha, a mais popular das ervas aqui no Brasil. Entra em muitas receitas e muita gente simplesmente não cozinha sem ele. Ë super importante também na cozinha oriental, conhecido até como a salsinha chinesa.Endro ou aneto (também conhecido por dill, o nome em inglês): tem folhinhas muito finas e delicadas, que lembram as da erva-doce. Combina com peixes, legumes, ovos e queijos.Estragão: ainda não é das ervas mais populares por aqui e muita gente estranha quando experimenta, mas é muito bom, saboroso e perfumado. Um ou dois ramos, com as suas folhinhas finas, são suficientes para uma receita inteira. Vai bem com aves, legumes e no super clássico molho béarnaise, que acompanha um filé com batatas fritas. Hortelã e menta: eu adoro o gostinho que algumas folhas trazem ao prato, o perfume e o frescor. Algumas folhas bastam para alegrar uma receita. Vão bem com carnes, aves, legumes, queijos e frutas.Louro: não é uma erva e sim a folha de uma bela árvore, mas entra nos cheiros, já que aromatiza muitos pratos. Uma folha basta para deixar especiais o arroz e o feijão de todo o dia. É essencial no bouquet garni.Manjericão (miúdo, graúdo, roxo): perfumadíssimo, saboroso, essencial em muitas receitas mediterrâneas, onde vivem fazendo companhia aos tomates, pimentões, berinjelas, abobrinhas, alho, azeite, azeitonas e mussarelas. O manjericão também não falta nas receitas do sudeste asiático. Vai bem em pratos frios e quentes, das saladas à sobremesa (quem já experimentou morangos com um pouquinho de balsâmico e manjericão sabe bem disso).Manjerona: mini-folhinhas que lembram mini-manjericão, mas parece um orégano mais delicado.Orégano: uma folha miudinha e bem perfumada. Talvez seja a erva que, desidratada, conserve melhor o seu perfume. Fundamental em receitas mediterrâneas e nas nossas pizzas.Salsinha lisa e crespa: delicada, com um tom verde realmente lindo, saborosa, mas sem ser forte demais. Tanto aromatiza muito bem uma receita durante o cozimento, como é perfeita para dar o toque refrescante na hora de servir. Além disso, um raminho ou algumas folhinhas inteiras ou picadinhas continuam sendo imbatíveis na hora da decoração.Sálvia: deliciosa e muito perfumada. Algumas folhinhas são suficientes para uma receita inteira. Essencial em várias receitas italianas, principalmente quando se fala em Toscana. .Tomilho: é um perfume só, delicioso, talvez o meu favorito. Alguns ramos perfumam uma panela toda. São micro-folhinhas de um verde escuro presas a um galhinho firme. As folhinhas bem frescas também entram na hora da finalização de alguns pratos.
Algumas dicas de preparo:
Salsinha, coentro, endro, cerefólio, estragão e cebolinha: lave e deixe secar bem antes de picar, pois só assim conseguirá pedacinhos miúdos e uniformes (folhinhas molhadas grudam umas nas outras e na lâmina da faca). Coloque os ramos sobre a tábua e, com uma faca de lâmina grande e larga, primeiro pique tudo uma vez e depois siga repicando até conseguir o tamanho desejado. Eu gosto mesmo é de uma boa faca, mas há quem prefira a mezzaluna italiana, uma lâmina curva com um cabinho em cada ponta, para segurar com as duas mãos, e que corta com movimentos de balanço, ou uma boa tesoura, que é bem eficiente para conseguir pedacinhos bem miudinhos.Tomilho, orégano, manjerona, alecrim: como os caulezinhos são duros, na finalização só costumam entrar as folhinhas. Lave bem os raminhos, deixe secar, depois segure cada um deles com uma das mãos e puxe as folhinhas com a outra a outra mão.Manjericão e hortelã: como as folhas são muito sensíveis e escurecem quando picadas com a faca, é mais simples utilizar folhinhas inteiras ou rasgadas com as mãos (se precisar picar, pique e utilize em seguida). Talo do capim-limão: descarte a base próxima da raiz e a camada externa de folha do talo (ela costuma ser bem verde, grossa e fibrosa) para chegar o talinho central, que é verde-clarinho. Corte esse talinho central em rodelinhas bem finas. Como as ervas trazem frescor aos pratos, eu acabei escolhendo, ainda que sem querer, várias receitas que têm tudo a ver com esses dias bem quentes de verão. Tive que deixar de lado os doces e as sobremesas, já que, como sempre, eu fui me empolgando e, quando vi, o número de receitas já estava bem grandinho.A primeira delas é a da Manteiga provençal com azeitonas, tomilho e alecrim, para servir com pão, torradas, bolachas ou grissinis como aperitivo ou num lanche, ou para acompanhar um grelhado. Vêm então 4 saladas, as duas primeiras mais leves e as outras mais substanciosas, daquelas que valem por uma refeição: Salada de abacate, laranja, mel e hortelã, ultra refrescante; Salada de morango, espinafre e manjericão, que mescla o azedinho adocicado dos morangos, o aveludado interessante das folhas cruas do espinafre, o sabor e o perfume do manjericão; Salada de grão-de-bico, nozes e hortelã, muito boa mesma, com aquele toque misterioso do oriente; Saladinha de frango thaï, ligeiramente picante, com o gostinho bem tailandês que vem da mistura do coentro, da hortelã, do capim-limão, do alho, do gengibre, da pimenta vermelha e do nam pla, o molho de peixe do sudeste asiático (se for o caso, substitua por shoyu, apesar do sabor ser diferente). Pensando num lanche, numa refeição mais leve ou até numa entradinha, escolhi os Wraps refrescantes de tofu e ervas, preparados com pão folha (aquele pão árabe que muita gente também chama de pão jornal), são leves e divinos (e quem não gosta de tofu pode usar queijo fresco); o Cake de salsinha e cebolinha, que é fácil de fazer, é bem verdinho, perfumado e pode servir de base a um sanduíche; as Tortinhas rápidas de tomate, crocantes, saborosíssimas, com aquele colorido lindo dos tomates maduros (se quiser, para uma festa ou aperitivo, faça mini-tortinhas); e o Pão rústico de ervas, que é das minhas receitas preferidas, bom mesmo. Para uma refeição mais descontraída, incluí os Espetinhos satay de filé-mignon com molho de amendoim e capim-limão, tiras finas de uma carne bem macia douradas na frigideira, ou na grelha, acompanhadas do super clássico molhinho satay, preparado com amendoim, gengibre, alho, capim-limão; o Frango assado com louro e batatas, que é gostoso, perfumado, com todo aquele jeitinho de feito em casa e sempre agrada, já que quase todo mundo gosta de um franguinho assado; e as Sobrecoxas com salsa verde, uma receita que transforma ingredientes simples num prato especial (usei sobrecoxa porque tem a carne muito macia e saborosa, mas, se preferir, faça o mesmo com o peito do frango). Para acompanhar um bom filé com fritas, com aquele ar bem bistrô, resolvi dar a receita do super clássico e francesíssimo Molho béarnaise.E para acompanhar tanto um peixe, como uma ave ou uma carne vermelha, resolvi incluir o Purê de batatas com azeite de ervas, tradicional no sul da França, fica saborosíssimo e parte do azeite aromatizado com ervar, que é muito bom, versátil e fácil de preparar: é só aquecer bem o azeite, sem deixar ferver, juntar as ervas e o alho e deixar esfriar. Como eu queria dar uma receita com algum legume, que pudesse ser tanto um prato principal de uma refeição mais leve ou vegetariana, como um acompanhamento, pensei na Couve-flor ao azeite com farofinha de ervas, que ficou muito gostosa nessa versão bem mediterrânea:a farofinha de ervas siciliana, que é bem versátil, vai sobre floretes pré-cozidos de couve-flor, que tem um sabor suave e, na minha opinião, é pouco utilizada. Os tradicionais escalopes de vitelo conhecidos Saltimbocca alla romana são apetitosos, muito fáceis e rápidos de fazer e sempre impressionam. Por fim, pensando naquele jantar mais refinado, em que a idéia é preparar alguma coisa bem especial, incluí o Koulibiac, um clássico da cozinha russa: um filé de salmão aromatizado com endro e envolto em massa folhada (na hora de montar, faça um simples retângulo ou, como sugerem os livros russos mais tradicionais, corte no formato de peixe).

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